domingo, 30 de junho de 2013

Crônica que relata a infância de Luzanir Luiza de Moura Peixoto.

Foto: Junho/2013 - Ao centro: Luzanir Luiza de Moura Peixoto.
“INFÂNCIA DA LUZANIR ENTRE OS MURICIS”

Eu tinha sete anos. Menina jogada de encontro à felicidade, junto às outras crianças, no grande quintal que rodeava a sede da fazenda. Havia o curral, o mangueiro, os coqueiros, o córrego e, mais além, o cerrado. Não era longe para quem começava a vida; não era perto para quem completava a existência. “Esperem, meninos, o mato não vai fugir de lá”. A frase nos detinha por alguns segundos, mas não podia controlar a velocidade dos nossos passos. Era impossível atender à ordem e, ao mesmo tempo, os anseios de uma alma criança. Sabíamos que um exótico pomar se estendia por entre os galhos retorcidos das árvores baixas, de cascas grossas. Pitanga, marmelada, gabiroba, mamacadela, e tantas outras frutas se escondiam no verde da folhagem, esperando a nossa chegada. Murici era a que eu mais gostava. Tinha do grande e do pequeno. Amarelinhos, redondos e lisos feitos bola de gude, pendiam-se dos galhos como que se abaixando para facilitar o trabalho da meninada que pulava e sorria, que sorria e pulava, enchendo os bolsos, as sacolas, a boca. Que cheiro! Que gosto! Que alegria!

Eu tinha sete anos. Ainda não sabia que a vida mudava a cada segundo; não sabia que a felicidade era tão frágil e tão efêmera... A paz da fazenda foi bruscamente ferida. Certo dia apareceu na beira da estrada, um monstro de quatro rodas, com uma grande boca aberta estendida para frente e, subitamente, invadiu o cerrado sem a nossa permissão, sem o aval da nossa pequena vontade. Com um vendaval foi tombando árvores e pisoteando galhos. Os enormes dentes foram arrancando raízes, sacudindo folhas, derrubando ninhos dos bem-te-vis. O chão ficou manchado do vermelho dos veludos, do verde dos cajuzinhos, do amarelo dos muricis. Cavalgando aquela coisa, um homem gargalhava, divertindo-se com a destruição. Sua alegria tinha a mesma dimensão da nossa tristeza. Dentro de mim, eu gritava para parar, mas sabia ser inútil. Meu choro nem foi notado; o monstro tinha toda a atenção de todos.


Hoje a vida mudou mais de mil vezes, e me levou para outros lugares. Uma recordação, porém, me seguiu; não se curvou à intempéries do caminho. Sempre que chega dezembro, e as chuvas constantes tocam a terra, um cheiro de mato sobre do chão e faz lembrar a infância e os muricis. É nessa época que eles ficam mais viçosos, gordinhos, cheirosos. Ou ficavam... O homem acabou com quase todo o cerrado. Faz tempo não vejo desses por aí. Faz tempo não vejo um murici, mas o seu gosto, o gosto de saudade na sai da minha boca. E, pode acreditar, vez em quando um pesadelo me atormenta: por detrás de algumas árvores, aquele monstro aparece, derrubando tudo o que encontra pela frente, correndo atrás de mim. Ouço nitidamente a mesma louca risada do seu domador. E fujo, segurando no bolso um valioso punhado de muricis.
 Autor: Prof. Miguel Patrício, 2005 - FAFICH-FESG

"MURICI DO BRASIL"
Os muricis do Brasil são muitos e variados, originárias da terra, essas plantas podem ser encontradas por todo o continente e são designadas popularmente, em suas regiões, pelo mesmo nome, e é também popularmente conhecida por douradinha-falsa, mirici, muricizinho, orelha-de-burro e orelha-de-veado (estes últimos nomes são dados por causa do formato das folhas de murici). Mas os muricis não são exclusivos da floresta, sendo, alguns deles, frequentes nas regiões serranas do sudeste, nos cerrados e no litoral do norte e do nordeste do pais.
Foto: Luzanir Luiza - Fruto do Cerrado (Murici)

Luzanir Luiza de Moura Peixoto é Mestre em Educação, Psicóloga, Arte-Educadora, Fotógrafa e Produtora Rural.

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Chronicle that reports the chilhood of Luzanir Luiza de Moura Peixoto.

Picture: June/2013 - In the middle: Luzanir Luiza de Moura Peixoto.
“LUZANIR’S CHILDHOOD AMONG THE MURICIS”

I was seven. Girl left to be happy, along with other children in the large back yard that surrounded the farmhouse. There was the corral, the corral, the coconut trees, the stream, and beyond, the cerrado. It was not far for those beginning the  life; it was not close for those completing their existence. "Hold on, boys, the bush will not run away from there." The phrase held us for a few seconds, but could not control the speed of our steps. It was impossible to meet the order and, at the same time, the wishes of a child's soul. We knew an exotic orchard stretched between the gnarled branches of low trees, with thick bark. Cherry, marmalade, gabiroba, mamacadela, and many other fruits hiding in the green foliage, awaiting our arrival. Murici was the one I liked the most. There were big ones and small ones. Yellow, ..., hung up on the branches as if was lowering to facilitate the work of the children that jumped and smiled, he smiled and jumped, filling the pockets, the bags, the mouth. What a smell! What a flavour! What a joy!

I was seven. Little did I know life was changing every second; did not know that happiness was so fragile, so ephemeral ... The peace of the farm was abruptly wounded. One day appeared on the roadside, a monster with four wheels, with a wide open mouth and extended forward and, suddenly, it invaded the cerrado without our permission, without the approval of our little will. As a windstorm, it was toppling trees and stomping branches. The huge teeth were tearing roots, shaking leaves, knocking nests of bem-te-vis down. The ground was stained with red from the velvets, Green from the cajuzinhos, yellow from the muricis. Riding that thing, a man laughed, amused with the destruction. His joy was at the same size as our sorrow. Inside me, I screamed to stop, but I knew it was useless. My cry was not noticed, the monster had the full attention of everyone.

Today, life has changed a thousand times, and it took me to other places. A reminder, however, followed me; it did not bow to the weather the way. Whenever December comes, and the constant rains touch the land, the smell of grass rises from the ground and reminds me my childhood and the muricis. It was at this time that get more lush, plump, fragrant. Or used to... The man ended up with almost everything across the Cerrado. It hás been a long time I do not see those around. I hás been a long time I do not see a murici either, but its taste, the taste of nostalgia does not get out of my mouth. And, believe me, once in a while a nightmare plagues me: behind some trees, that monster appears, knocking down everything in its path, chasing me. I can hear the same crazy laugh of its tamer. And I run away, holding in my pocket a precious bunch of muricis.
 Author: Prof. Miguel Patrício, 2005 - FAFICH-FESG

Foto: Luzanir Luiza - Fruto do Cerrado (Murici)
Source: http://tudonaturalparaobem.blogspot.com.br/2012/11/murici-fruta-do-cerrado.html
Luzanir Luiza de Moura Peixoto is a Master in Education, Psychologist, Art-Educator, Photographer and a Rural Producer.

5 comentários:

  1. Olá Caio,
    Muito obrigada pela apreciação e tradução que você fez da crônica que relata a minha infância. Você é uma pessoa, além de muito inteligente sensível as belezas e cuidado com a natureza. Acredito que o homem viver sua vida é um direito divino e de cidadania, mas não viverás, se não cuidar da natureza. Assim, como existem forças dominantes que nos levam a autodestruição, por outro lado temos a capacidade para criar, inovar e transformar. Tive na minha infância a experiência fantástica de saborear os frutos do cerrado, e quero deixar os registros através das fotografias para a reflexão das transformações humanas ambientais. O equilíbrio do meio ambiente e da nossa sociedade estão interligados e fazem parte da mesma realidade. Para solucionarmos os problemas do meio ambiente, temos que compreendê-lo como um registro histórico, político, econômico e dialético. Assim como a natureza transforma o homem, por outro lado o homem pode usar a sua sensibilidade e inteligência para viver em paz e harmonia com a mãe natureza.
    Abraços Luzanir Peixoto

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    1. Olá, Dona Luzanir Peixoto,
      Foi um prazer traduzir a crônica que relata sua infância e mostrar para o mundo o quão rico é o Centro-Oeste brasileiro. Penso que ainda exista salvação para a natureza em sua forma atual pelo fato de existirem pessoas como a Senhora que se dedicam a projetos de preservação e conservação, principalmente no bioma Cerrado, englobando desde árvores e fauna, até frutos e animais. Nós seres humanos devemos nossa existência e sobrevivência à natureza, pois se não fosse ela, eu duvido que teríamos conseguido passar pela Pré-História e nos desenvolvido. E mesmo assim, o homem trata a natureza, aquela que sempre o acolheu de braços abertos, como forma de ganhar dinheiro, a exemplo da devastação e exploração do nosso bioma.
      Dona Luzanir, obrigado pelas considerações e comentário. Parabéns pela sua dedicação e vontade de preservar aquilo que fez parte da sua infância e conte com meu apoio para futuras publicações neste blog e tradução das matérias referente ao bioma Cerrado, em especial seus frutos.
      Abraço.

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  2. Belíssima crônica me emocionou e nos faz refletir sobre as maravilhas de Deus e nos alertar sobre o cuidado com a natureza. Parabéns Luzanir por ser esta pessoa tão zelosa com o nosso cerrado, projeto magnífico que vem desenvolvendo aí em Piracanjuba, transformando ideias em ação, por mais obstáculos que surjam nunca desista!!!

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    1. Olá, Senhora Maria Rita.
      Obrigado pela visita. Concordo com o pensamento da Senhora, pois é importante cuidar da natureza para que ela volte a seu estado puro, por mais difícil que possa ser.
      Que nunca deixemos de seguir esses passos!

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  3. Boa noite senhora Luzanir, que prazer foi ter lido sua crônica. Numa pesquisa sobre o fruto murici a localizei, que maravilha, quando deparo com alguém que se importa com nosso cerrado, acredito que ainda ele tem salvação, sou moradora da região centro oeste goiano, meu marido e eu juntamente com três cachorros e duas calopsitas fazemos caminhada todos os dias a tarde nas estradas de terra onde tem cerrado e ficamos admirados com as riquezas deste ambiente, nos alimentamos com as frutas que encontramos conhecidas e desconhecidas, hoje saboreamos murici, o havia consumido quando criança, como você, achava que já não existia mais. Plantei sementes em vasos, pois moro no cimento. Luzia Selma

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